sexta-feira, junho 22, 2007

Requiem for a Dream, de Darren Aronofsky

"Até a esperança se pode tornar num vício" - Darren Aronofsky

"Requiem for a Dream" é um filme que pode ser resumido numa simples palavra: poderoso. Sei que soa a cliché, mas de todos os filmes que vi até hoje, este é sem dúvida um dos mais poderosos. Isto deve-se, basicamente, à linguagem cinematográfica de Aronofsky, que explora de uma forma extremamente expressionista os lados mais obscuros da natureza humana. Neste caso, a tendência que o ser humano tem de fugir à realidade em vez de a enfrentar. "Requiem for a Dream" é, de facto, uma história sobre vícios. Quatro histórias interligadas, sobre quatro pessoas que vêm os seus sonhos (e as suas vidas) desfeitas pelo seu vício na droga. E na esperança.
Aronofsky filma, sem melodramatismos, a vida destas quatro pessoas. A sua decadência como seres humanos. Os seus sonhos desfeitos. Realmente, este é um dos mais desgastantes, emocionalmente poderosos filmes que vi até hoje. Todo o filme vai sendo lentamente conduzido para o absolutamente incrível clímax final, que deixa o espectador literalmente paralisado.

O filme foi filmado usando a "hip-hop montage", no qual uma acção complexa é rapidamente mostrada ao espectador usando como recurso séries rápidas de gestos simples. Neste caso, não apenas gestos mas também outros tipos de imagens e sons. Com isto, Aronofsky consegue transmitir ao espectador o vício, a repetição destas personagens. Curiosamente, este uso poderoso do factor "repetição" é algo que Aronofsky usa também no seu mais recente filme, a obra-prima "The Fountain"... mas esse filme fica para outra altura (assim que arranjar coragem, ou até mesmo perícia suficiente para lhe fazer uma crítica). A própria montagem hip-hop já tinha sido (brevemente) usada por este visionário no seu filme de estreia, o belo "Pi". Tal como a chamada "Snorri Cam", um método no qual a câmara é literalmente presa ao corpo do actor ou da actriz, filmando a sua cara ou outra parte do corpo (normalmente a cara, creio eu), à medida que esta se movimenta. Uma das mais poderosas cenas de "Requiem for a Dream" é quando uma desgastada, deprimida Jennifer Connely faz uma trágica e lenta viagem de elevador, após se ter usado a si mesma fisicamente de forma a arranjar algum dinheiro para saciar o seu vício. Esta viagem é feita com a câmara presa ao seu corpo e apontada à sua cara, ao mesmo tempo que a incrível banda-sonora do talentoso Clint Mansell acompanha a cena.

Clint Mansell criou verdadeiramente uma banda-sonora de culto com este "Requiem for a Dream". O tema principal do filme, "Lux Aetherna" (uma muito livre adaptação de uma obra de Mozart com o mesmo nome que é parte, se não me engano, da mítica "Requiem"), tem hoje múltiplas versões, e é constantemente usado em trailers, reportagens de TV, etc etc. Mas é neste filme que se vê verdadeiramente o poder desta música, e Clint Mansell e Darren Aronofsky fazem sem dúvida uma das melhores duplas compositor-realizador do cinema contemporâneo.

Esta obra é um filme em que tudo funciona de uma forma perfeita. A prestação dos actores é fenomenal (INCRÍVEL Ellen Burstyn, que entra numa das mais bem actuadas cenas que eu vi até hoje... nomeadamente, a cena na qual ela revela a, neste caso, tristeza de ser idosa...). Aronofsky criou uma experiência verdadeiramente incrível, que nos faz acordar para certos lados, certos perigos da natureza humana.

"Requiem for a Dream" transformou Aronofsky num realizador de culto, e é de facto uma verdadeira obra-prima que deve ser visionada por todos, sejam eles cinéfilos ou não.

Uma verdadeira lição sobre natureza humana, sobre vícios e fugas da realidade.

"Requiem for a Dream" é, tal como já disse, um dos mais poderosos filmes que vi até hoje.



10/10

10 comentários:

Luís A. disse...

vi este filme apenas uma vez na faculdade. mas a intensidade das suas imagens, nunca mais me largaram, tenho de o rever. parabens pelo blog

Gonçalo Trindade disse...

Obrigado, e muito obrigado pela visita. Este é um filme que fica verdadeiramente na memória... uma experiência incrível. Os sentimentos, as imagens, os sons que transmite... uma obra-prima.

Loot disse...

um dos que mais me marcou definitivamente uma experiência poderosa como dizes.
E sem dúvida que Darren Aronofsky e Clint Mansell se tornaram uma dupla a seguir com muita atenção.

Cumprimentos

Gonçalo Trindade disse...

Um filme marcante, sem dúvida. E Aronofsky e Mansell fazem uma dupla incrível. Em todos os filmes de Aronofsky existe uma fusão perfeita entre imagem e som, fazendo das suas obras verdadeiras experiências.

Cumprimentos

Carlos Pereira disse...

Aronofsky, génio incompreendido.

Requiem for a Dream é um dos filmes da minha vida. Apenas The Fountain o supera. E falta-me urgentemente ver Pi para saber se a perfeição do cinema de Aronosky, ou pelo menos a minha visão sobre o seu cinema, se mantém a 100%.

Grande abraço Gonçalo ;)

Gonçalo Trindade disse...

Incompreendido, sem dúvida. Como grande parte dos génios no início das suas carreiras. Aronofsky é como o Kubrick, o Tarkovsky da sua geração.

E concordo contigo. Também achei The Fountain superior a Requiem. Mas são ambos experiências verdadeiramente arrebatadoras.
Pi, por outro lado, não chega aos calcanhares nem de Requiem nem de The Fountain... mas é sem dúvida um belo filme, e um magnífico início de carreira.

Forte abraço, Carlos!

Carlos M. Reis disse...

Como disse no meu blogue, é o "meu" filme desta década, até ao momento. E um dos meus 10 all time favorites.

Absolutamento delirante e genial.

Um grande abraço Gonçalo!

Gonçalo Trindade disse...

Também entra nos meus 10 all time favorites. Mas não sei se o chegaria a considerar o melhor da década... seria uma intensa batalha entre o Requiem, The Fountain, e Oldboy.
Talvez faça esse top 10 of the decade em breve...

Grande abraço, Knox!

Cataclismo Cerebral disse...

Como eu concordo com o teu post. Este filme é uma experiência e um verdadeiro retrato do vício, nas suas diversas formas.

Abraço

Gonçalo Trindade disse...

Exacto. O Aronofsky podia ter feito um filme igual a tantos que existem por aì, filmes cuja lição moral pode ser resumida com as palavras "Drugas are baaaaaad!".

Mas em vez disso, Aronofsky foi ao limite, e fez um filme sobre (tal como disseste) o vício nas suas várias formas, a na forma como o usamos para escapar da realidade.
Uma obra-prima.

Abraço!