quarta-feira, dezembro 05, 2007

The Fountain, de Darren Aronofsky



Arrebatadora poesia cinematográfica

Existem sete tipos de filmes: os filmes péssimos/ridículos, nada mas que perdas de tempo em que todos os aspectos são de um falhanço agonizante; os filmes maus, em que existem algumas ideias que se podem aproveitar, mas em que o mau simplesmente afunda o bom, provocando por vezes uma verdadeira frustração no espectador, ao fazê-lo ver o potencial desperdiçado; os filmes banais, que não são bons nem maus... simplesmente vêm-se, providenciando ainda que a um nível muito básico um qualquer tipo de bom divertimento ao espectador; os filmes bons, em que o espectador sai satisfeito da sala de cinema, e em que os vários bons aspectos do filme suprimem as suas também óbvias falhas; os filmes muito bons/excelentes, filmes verdadeiramente óptimos que, não sendo Obras-Primas, conseguem ser verdadeiros pedaços de Cinema com C capital; as Obras-Primas, filmes incríveis, espectaculares, que despertam no espectador um rol de emoções como só o Cinema consegue fazer, filmes que são verdadeiras viagens de descoberta; e há ainda os filmes que podem ser chamados de "transcendentais"... filmes que vão além do que poderíamos julgar possível no Cinema, filmes que inovam, revolucionam, sendo ao mesmo tempo fontes de incríveis sentimentos e de... creio que podemos chamar-lhe de "iluminação"... filmes que passam a viver com o espectador, que o marcam verdadeiramente, que têm si tudo que de mais belo há não só no Cinema... filmes que são experiências de vida.

Ao olharmos para a ainda curta filmografia de Darren Aronofsky, é chocante verificar que, de apenas três filmes, dois deles enquadram-se nesta última categoria.
"Pi" foi um excelente filme, todo ele extremamente bem escrito e realizado, revelador acima de tudo de um potencial fabuloso por parte do seu realizador.
"Requiem for a Dream" foi incrível. Uma lição de vida, uma experiência emocional e sensorial arrebatadora. Aronofsky explora ao máximo o seu estilo expressionista, com o objectivo de colocar o espectador na pele das personagens, transmitindo um ambiente deprimente, realista, humano, e acima de tudo, poderoso. É um filme marcante, uma obra absolutamente incrível.

E depois veio "The Fountain". Um filme ainda mais indescritível e poderoso que "Requiem for a Dream" (ainda que de formas muito diferentes), e sem dúvida muito, muito mais pessoal. Aronofsky disse por várias vezes que o seu objectivo era fazer algo inovador dentro do género de Ficção Científica, algo que nós, o público, nunca tivéssemos visto. Tudo isto com uma história extremamente pessoal para o realizador, uma história que mostrava, basicamente, aquilo que este pensava acerca da vida, da morte, e do amor.
Aronofsky demorou seis anos a fazer o filme. Inicialmente, Brad Pitt e Cate Blanchett seriam os protagonistas... mas Pitt abandonou o projecto quando este estava em pré-produção (alegando supostas "divergências artísticas" com Aronofsky) e o projecto foi encerrado. E assim ficou durante muito tempo. Aronofsky, no entanto, não decidiu de contar a sua história... e se não o conseguia fazer numa arte, fá-lo-ia noutra: a arte da Banda-Desenhada. Contactou a Vertigo, e do seu argumento fez-se um excelente comic.
Mas, ainda assim, "The Fountain" não abandonava a mente de Aronofsky. Atormentava-o, aquele filme que ficou por fazer.

E então Aronofsky lembrou-se daquilo que era e é: um cineasta independente. E, baseando--se nisso, reescreveu o argumento. Fê-lo mais pessoal e menos espectacular... mais sentimentos, menos batalhas com centenas de guerreiros. Fê-lo (segundo ele próprio) "Não para agradar a ninguém, mas apenas pelo prazer da escrita, pelo prazer de contar uma história que significa verdadeiramente algo".
Já não era necessário um grande orçamento nem grandes estrelas. Mas dois enormes talentos do cinema actual nunca fizeram mal a ninguém, por isso Aronofsky colocou Rachel Weisz (a sua noiva) no filme, e contactou Hugh Jackman após o ter visto num musical na Austrális. Jackman leu numa noite o argumento, e no dia seguinte decidiu entrar no projecto. De forma a manter o orçamento o mais baixo possível, ambos os actores concordaram em receber um ordenado inferior ao normal.

Isto revela o óbvio empenho de Aronofsky em fazer este filme. E, de facto, "The Fountain" é como se o realizador tivesse retirado a sua alma do corpo, e a partir dela feito um filme. É um filme todo ele incrivelmente bem feito, como seu tudo fluisse directamente da mente de Aronofsky, como se este tivesse cada som, cada imagem perfeitamente calculada, pensada e imaginada. De todos os filmes que vi até hoje, "The Fountain" é aquele que flúi melhor. É como um enorme poema, todo ele declamado sempre com o tom correcto, tudo se encaixando perfeitamente.


Aronofsky é, obviamente, um realizador que tem o controlo total sobre todos os aspectos do filme. Desde a fabulosa fotografia de Matthew Libatique (visualmente, nunca se viu nada assim... o uso da microfotografia em vez de CGI é incrível) à banda-sonora de Clint Mansell (banda-sonora que já estava completa antes sequer de Aronofsky ter começado a filmar), a presença de Aronofsky está lá. O realizador trabalha intimamente com os seus colaboradores, no sentido de espremer o mais possível o seu potencial, aquilo que o criador deseja. Tal presença pode apenas ser comparada à de outros génios como Martin Scorsese, Quentin Tarantino, ou Park Chan-Wook (entre (não muitos) outros, claro).
Em "The Fountain", tudo é perfeito.

Falar da trama desta obra não é muito importante. "The Fountain" é para ser sentido, não percebido. Três histórias (uma no passado, outra no presente, e outra no futuro), onde Hugh Jackman é, respectivamente, um conquistador espanhol em busca da Árvore de Vida, um neurocirurgião a tentar curar o tumor da sua mulher (Rachel Weisz, que em todas as histórias interpreta a sua amada... quer seja, a sua mulher, ou uma rainha espanhola...), e um astronauta viajando numa nave (nave esta que é nada mais nada menos que uma bolha gigante... inovador e visualmente espectacular, no mínimo). Todas as histórias se interligam, convergindo na criação de uma única e epica história que é a viagem de um homem desde a escuridão à luz, viagem esta moticada pela mais nobre de todas as razões: o Amor.

"The Fountain" fala da morte e da sua aceitação, de renascimento, do amor... a sua lição é, talvez (e particularmente na sociedade actual), chocante para muitos... mas sem dúvida importante e necessária. A história é obviamente subjectiva e aberta à interpretação. Mas a história desta obra é talvez dos seus aspectos que menos importam... pois este filme (tal como já disse) é para ser sentido, não racionalizado. Até porque, seja qual for a interpretação de cada um, a lição do filme e os seus sentimentos são imutáveis. Tal como Aronofsky disse, ""The Fountain" é bastante como um cubo de Rubick, no qual há várias formas de este ser resolvido, mas no final existe apenas uma solução".
Jackman e Weisz interpretam na perfeição um casal apaixonado. A interpretação de Jackman é particularmente notável. A sua intensidade sempre realista e arrebatadora é simplesmente incrível.


Este é um filme único. Aronofsky queria fazer algo diferente e inovador... e foi isso mesmo que fez. É por isso compreensível que existam aqueles que o adoram e aqueles o odeiam. Pessoalmente, amo-o. Considero-o um dos filmes da minha (ainda bastante curta, diga-se de passagem) vida. "The Fountain" é um filme que vive comigo, que me influencia, que me marcou. Não é um filme para todos, claro. Mas é um filme que deve ser visto, nem que seja pela obra única que é.

Quanto a mim, deve ser visto pela obra transcendental que é. Pela viagem emocional e sensatorial. Pela fotografia de Libatique, a banda-sonora de Mansell, e as interpretações de Jackman e Weisz. Mas vale, acima de tudo, pela visão de Aronofsky.
Pois ele é um visionário, e aquilo que ele viu foi isto.


10/10

9 comentários:

Loot disse...

Ver o the fountain é uma experiência marcante, como dizes uma experiência altamente sensorial.
Uma das maiores experiências que tive numa sala de cinema.

Ainda não vi o Pi, mas tanto este como "Requiem for a dream" estão na lista dos meus filmes preferidos.

Aronofsky já tentou trabalhar com Brad Pitt duas vezes (no requiem e no fountain) e agora vai tentar novamente para os eu novo filme, será que é desta? Pessoalmente acho que é o pitt quem está a perder.

Nunca vi muitos filmes com o Hugh Jackman mas gosto muito dele dele como Wolverine, qaundo vi The Fountain fiquei rendido uma interpretação notável, tocante, magnífica.

C. disse...

Ainda não vi...

sonhadora disse...

"...este filme é para ser sentido e não racionalizado..."
É mesmo isso o que pensei quando vi isto...adorei o filme... a tua critica espelha a beleza e essencia do filme... parabéns!
Foi um bom trabalho teu!
Beijocas

Carlos M. Reis disse...

Mais vale tarde que nunca :P

Gonçalo Trindade disse...

Loot: Tiraste-me as palavras da boca. Principalmente quando falas do Jackman... também gostei dele como Wolverine, e sempre me pareceu haver ali muito potencial escondido... bastava alguém dar-lhe um bom papel. Aronofsky fez isso, e o resultado está à vista. A interpretação de Jackman é absolutamente fabulosa.
Realmente quem perde é o Pitt (mas não sabia que ele já esteve envolvido no Requiem... muito obrigado pela informação)... principalmente quando este em vez de fazer o The Fountain, acabou por fazer o... Tróia.

Blues: ALUGA-O.AGORA.IMEDIATAMENTE.

Sonhadora: Obrigado :). É sempre complicado fazer uma crítica a este filme, dada a relação que este estabelece com o espectador. O seu poder é complicado de exprimir por palavras.

Knox: Estava para fazer esta crítica desde Março :P. Mas nunca tive coragem... sabia que mal começasse a escrever, sairia daqui uma coisa enorme e talve não muito decente, já que o filme é todo ele tão... enfim, abstracto. É complicado falar de "The Fountain", devido à ligação emocional que esta obra cria com o espectador. Mas era simplesmente algo que tinha de fazer, e deu-me muito prazer escrever esta crítica (e nem ficou tão grande como esperava...). É sempre bom escrever algo assim... particularmente quando é em relação a um filme que adoramos.

Grande abraço a todos!

Loot disse...

Nunca vi o Almost Famous mas percebo que o Brad Pitt tenha abandonado o filme para fazer o snatch, percebo porque o seu papel em Snatch é fabuloso.
Não percebo é trocar o Fountain pelo Tróia. Mas falar é mais fácil depois de os filmes estarem feitos.

A obra de Homero é impressionante e se calhar Pitt foi "enganado" com falsas promessas, pois Tróia não enaltece a Ìliada como deve de ser.

Esqueci-me de dizer gostei do toque dos 7 tipos de filmes fez-me lembrar os 7 infernos de Dante. Uma obra que ainda tenho de ler.

Cataclismo Cerebral disse...

Já li de tudo em relação a este filme, mas as críticas positivas são tão elogiosas e aprofundadas que é impossível não ficar curioso. Tenho de o comprar, até porque está a um preço bem razoável.

Abraço

Luís A. disse...

lamento discordar de vocês, mas a mim The Fountain apenas causou desilusão e cansaço. Apesar de alguns pontos fortes, Jackman por exemplo, achei-o pretensioso e com um argumento muito perguiçoso...

Gonçalo Trindade disse...

Loot: Também percebo perfeitamente o facto de ter preferido o Snatch. E, pessoalmente, gosto mais de pensar que foram mesmo essas falsas promessas em vez do (imagino eu) enorme caché que o fizeram ir para o Tróia. Esse filme é uma triste banalização de um épico. Com aquele elenco, podia ter saído dali qualquer coisa óptima... e até mesmo com aquele realizador. Mas enfim... o argumento perde-se... e o filme é todo ele tão blockbusteriano...

Por acaso só reparei que eram sete quando os contei :P. Enfim, bem dizem que o sete é o número sagrado...
Dos Infernos de Dante li apenas parte do primeiro capítulo (dedicado ao Inferno), que verio grátis com o Diário de Notícias já há uns bons meses. Não acabei de o ler porque... perdi-o. Eu bem sei que querem poupar papel, mas será que é mesmo preciso fazer os livros tão pequenos?! Enfim... acho que já vi a obra completa de Dante a um bom preço... qualquer dia compro (depois do Watchmen!).

Cataclismo: É um filme que dividiu o público e a crítica (apesar de me parecer que, no geral, a recepção foi mais negativa que positiva...), e percebo porquê. É um filme que ou se ama ou se odeia. Mas realmente acho que é capaz de valer a compra... é curioso a forma como já está tão barato...

Luís: E percebo perfeitamente. É um filme que ou se ama ou se odeia (um pouco como o 2001... e eu que já fui quase fisicamente atacado por dizer que não gosto do raio do filme :p). Mesmo para um admirador de Aronofsky, é um filme semplesmente diferente de tudo aquilo que jamais poderíamos ter imaginado. Pessoalmente, amo-o. Mas percebo que outros não partilhem da mesma opinião (mas é sempre bom ver que também gostaste de prestação do Jackman).

Grande abraço a todos!